Não sou “otário”, sou mesário!

Em 2020, o Brasil presenciou uma de suas eleições municipais mais importantes da história recente. Isso pode ser atribuído não apenas ao fato de que em muitas cidades as disputas foram acirradas, intensas, e com resultados que causaram mudanças relevantes nos cenários de poder locais, mas também pelo contexto atípico no qual ocorreram essas eleições. Inclusive, escrevi há pouco sobre a realização de eleições em meio a uma pandemia para uma revista internacional.

Em meio a tudo isto, surgiram algumas polêmicas sobre a segurança dos eleitores e até dos próprios sistema e processo eleitorais. Neste sentido, quero tratar sobre uma controvérsia mais antiga, porém ainda presente em boa parte do senso comum brasileiro: o constante desprezo ou a desvalorização pelos mesários e mesárias voluntário/as.

Muito me incomoda ouvir em todas as eleições que “os mesários são otários” pois “trabalham de graça para o governo” e fazem algo que é “inútil” para um processo que “não é tão importante assim”. Bem, não vou nem entrar em todos esses méritos, vou me ater especificamente ao papel importante que essas pessoas cumprem para as eleições.

Cada eleitor importa

Pode parecer não relevante para você que possui uma vida “normal”, mas os mesários são extremamente relevantes para que muitas pessoas exerçam a sua cidadania. Sem esses voluntários, pessoas idosas, analfabetas e com algum tipo de deficiência, por exemplo, não conseguiriam votar por elas mesmas.

É muito fácil gastar somente uns 10-15 minutos do seu domingo, e apenas até 1 minuto para votar, e dizer que não precisa de nós. Isso é prova que o nosso trabalho (orientado pelo TSE) é muito bem feito. Somos treinados, organizamos todas as seções de votação do país, somos parte do processo de assegurar a transparência e bom funcionamento das eleições, e somos aqueles que chegam antes do primeiro eleitor e voltam para casa depois do último.

Colocamos em prática – e lá na ponta – um sistema tão rápido, eficaz e incrivelmente complexo. Fazemos tudo tão bem que você nem percebe. Somos nós que garantimos que você possa falar mal dos mesários, do conforto de sua casa, sobre todo um trabalho que você não vê. Estamos lá para garantir que você não precise ser mesário.

Garantimos que mesmo em meio a uma pandemia – e a maior crise recente de nossa geração – as eleições da maior democracia da América Latina pudessem ocorrer, permitindo que mais de 100 milhões de brasileiros escolhessem o futuro de mais de 5.500 municípios do país. Nossa democracia, mesmo com muitas falhas, teve mais uma garantia de continuidade.

Dispostos a servir seu país

Você pode até usar o clássico argumento que muitos dos mesários são “obrigados” a atender a convocação ou até mesmo por conta do interesse em obter dias de folgas no trabalho. Ainda assim, milhares de nós realmente se colocaram à disposição para servir o seu país – que, a meu ver, é um verdadeiro ato de patriotismo, e não as coisas esquisitas que temos visto ultimamente no Brasil sob as cores verde e amarela.

Caso você ainda não saiba, comparando-se aos números de 2016, em 2020 houve um aumento de 321,06% do número de cidadãos e cidadãs brasileiras que se cadastraram voluntariamente para serem mesários (isto mesmo, triplicou!). Neste ano, fomos mais de 1 milhão de brasileiros que também garantiram o funcionamento de mais uma eleição em seu país.

Essa de 2020 foi a minha primeira eleição como mesário. Eu me alistei para isso.

Na seção onde trabalhei (2 mesários e 2 mesárias), permitimos que uma média de aproximadamente 350 eleitores por turno também decidissem sobre o futuro da minha cidade.

Nós não somos otários, somos mesários.


  • Imagem destacada: Arquivo pessoal.
  • Fonte dos dados mencionados: Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Textos novos toda vez que eu tiver paciência para escrever.

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